Em pleno ano de 2022 a Capital da Tecnologia se destaca por possuir um “cinturão de entulhos”. Se o cenário fosse observado por um analista internacional, sem dúvidas este reportaria ao seu país que os locais visitados foram bombardeados ou destruídos em um conflito.

Os entulhos observados em questão são classificados como Restos de Construção Civil (RCCs). E neste caso não são frutos da destruição bélica, mas sim o resultado da conivência do poder executivo com a inércia na aplicação da política de gerenciamento integrado de resíduos sólidos. A negligência atinge especialmente – como de costume – a periferia de São Carlos, cuja população é a principal prejudicada pelas consequências da deposição irregular nas proximidades de suas casas e locais de lazer e trabalho.

Foto acima: nascente ao lado da Escola Estadual Degan. Foto abaixo a esquerda: Estrada Curva do Angico, Antenor Garcia. Foto abaixo a direita: Bairro Mirante da Bela Vista. Ambos na região sul de São Carlos. Arquivo do gabinete vereador Djalma Nery.

Tal política já existe na figura do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) desde 2020, contudo nunca saiu do papel. O plano é um instrumento do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010, no âmbito do município e deve contemplar ações específicas a serem desenvolvidas pelos órgãos da administração pública para proteção da saúde pública e da qualidade ambiental e, a não geração, redução, reutilização, reciclagem, e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. 

Segundo PMGIRS o principal resíduo descartado irregularmente no município é o resíduo da construção civil:

Os principais impactos envolvendo os RCCs se dão quando associados a disposição irregular dos mesmos. O gerenciamento não adequado destes resíduos que culmina em área de acúmulo de disposição inadequada gera problemáticas de ordem ambiental e social, dentre elas – o impedimento de crescimento vegetal na área ocupada pelo descarte, criação de áreas favoráveis ao aparecimento de vetores de doença e de animais peçonhentos, a poluição visual da paisagem, além de riscos de contaminação de solos e corpos d’água próximos, devido a diversidade de componentes químicos que podem compor (PMGIRS, 2020 p. 231)

Na cidade é possível observar diversos pontos de concentração de RCCs, no mapa de deposição irregular de resíduos sólidos, fruto da dissertação de mestrado intitulada Geotecnologias aplicadas à avaliação de indicadores ambientais e de desigualdade social na cidade de São Carlos – SP, Brasil. Trabalho desenvolvido pelo geógrafo e membro do mandato coletivo Vitor Camacho em 2022.

Geotecnologias aplicadas à avaliação de indicadores ambientais e de desigualdade social na cidade de São Carlos – SP, Brasil. Fonte: CAMACHO, 2021.

A localização destes pontos não é aleatória, estão em sua maioria inseridos dentro da região de encosta bacia hidrográfica do córrego água quente, como pode ser visto no mapa a seguir:

Geotecnologias aplicadas à avaliação de indicadores ambientais e de desigualdade social na cidade de São Carlos – SP, Brasil.
Fonte: CAMACHO, 2021.

Os RCCs apresentam estreita relação com os processos de deterioração dos cursos d’água como processos erosivos, de assoreamento e contribuem para o aumento da suscetibilidade de ocorrência de inundações.

Não é de hoje!

Imagens de satélite temporais, obtidas pelo Projeto Meios, revelam os crimes ambientais na região sul da cidade, as duas imagens são de dois locais nas proximidades do Córrego Água Quente e suas nascentes.

As setas indicam as localidades de deposição irregular de resíduos sólidos (entulhos e restos de construção civil), em um dos locais aproximadamente 6mil² de área foram desmatados em APP (Área de Preservação Permanente).

Localização de deposito irregular de RCCs, bairro Antenor Garcia, sul da cidade de São Carlos. Fonte: Projeto Meios, 2021.
Localização de deposito irregular de RCCs, bairro Monte Carlo, sul da cidade de São Carlos. Fonte: Projeto Meios, 2021

Como se não bastasse a problemática ambiental a dimensão atinge contornos de crise social, a região sul em questão é a que apresenta os maiores índices de exclusão social da cidade de São Carlos.

Índice construído a partir da síntese de indicadores obtidos por meio dos dados do censo IBGE 2010.
Geotecnologias aplicadas à avaliação de indicadores ambientais e de desigualdade social na cidade de São Carlos – SP, Brasil.
Fonte CAMACHO, 2022

O mapa do índice de exclusão/inclusão social da cidade de São Carlos revela uma cidade com evidentes contrastes sociais. A região Sul da cidade é onde concentra os maiores índices de exclusão social, já os índices de inclusão social ficaram evidentes na região central da cidade e nos condomínios fechados de alto padrão.

Por fim, o desequilíbrio social e desequilíbrio ambiental são problemas que têm a mesma origem: a lógica de produção do espaço urbano baseado ou priorizado em critérios econômicos. A relação desequilibrada que a sociedade mantém com o meio ambiente é semelhante ao contraste observado da desigualdade social dentro da própria cidade.