Tudo. Temos tudo a ver com isso.
Em outro artigo publicamos que, em fins de 2016, o Congresso Nacional (Câmara e Senado) aprovou a Proposta de Emenda Constitucional 241, que no senado foi chamada de PEC-55, sendo aprovada como Emenda Constitucional 95, em 15 de dezembro de 2016. Ela foi batizada como “Teto de Gastos Públicos”, sendo chamada pelos políticos que a aprovaram de “Novo Regime Fiscal”.
Essa emenda à constituição estabeleceu que o orçamento da União, em seus gastos com Saúde, Educação, Infraestrutura, Pensões, Funcionalismo Público e outras demais despesas, deverá ser congelado pelos próximos 20 anos!, sendo apenas reajustados segundo a variação da inflação acumulada no ano.
As únicas despesas que não foram congeladas são as “despesas financeiras”, isto é, aquelas relacionadas à dívida pública, cujos principais credores são os bancos privados nacionais e internacionais, como Itaú, Santander, Bradesco, JP Morgan, Credit Suisse, dentre outros.
Com a justificativa controversa de “equilibrar os gastos públicos”, essa foi uma das primeiras grandes ações do governo Michel Temer, após ter assumido a presidência da república, em razão do impedimento da presidenta Dilma Rousseff.”
Agora com o incêndio ao Museu Nacional do Rio de Janeiro tudo isso fica ainda mais evidente. Como disse o ilustrador Matheus Ribs, autor da imagem destacada abaixo:
“o incêndio no Museu Nacional foi criminoso e o bandido se chama Michel Temer com sua PEC do teto de gastos. O museu pedia socorro pelo risco de incêndio desde Maio e há duas semanas sofria picos de energia. Como dizia Darcy Ribeiro, o descaso com a educação, a ciência e a tecnologia no Brasil não é uma crise e sim um projeto”.
Vivemos em um mundo pós-verdade, em que fatos e conceitos científicos são muitas vezes relegados a um papel secundário em debates – quando não simplesmente ignorados. Resultados de décadas de pesquisa recebem menos valor que um achismo qualquer.
Mas conhecimento científico é especial. Ele passa por um forte processo de validação, é testado, conferido e verificado por várias pessoas. Ainda que cientistas cometam erros, infrações éticas como falsificação de dados podem custar o emprego ou o diploma.
No Brasil, a ciência é feita principalmente em universidade públicas federais e estaduais, além de alguns órgãos de pesquisa como Embrapa e INPA. Nossa pesquisa científica é reconhecida internacionalmente, sendo feita principalmente por estudantes de pós-graduação.
Pós-graduação não é simplesmente estudar. Não mesmo. É passar até setenta horas por semana, sem férias, às vezes sem fins de semana, pesquisando, lendo, coletando dados, escrevendo, discutindo e até correndo risco de vida para produzir conhecimento e para se qualificar profissionalmente.
E isso tudo em troca de – não, não de um salário! Em troca de uma bolsa. Uma bolsa em regime de dedicação exclusiva.
— continua após o vídeo —
E agora a principal agência responsável pelo financiamento científico no Brasil – CAPES – anunciou que existe o risco de que não sejam pagas suas bolsas de pesquisa a partir de agosto de 2019. Outra agência, o CNPq, também anunciou corte de verbas para pesquisa em 2019.
Não que isso tenha sido muito surpreendente. Fazer ciência no Brasil é como andar numa montanha-russa, com altos e baixos imprevisíveis: às vezes há recursos para estudantes irem para o exterior e se aprimorar mais ainda. Em outros tempos, falta papel higiênico.
O que vai acontecer sem as bolsas?
Conciliar pós-graduação enquanto se tem outro emprego é possível, mas é um tanto insano. Sem bolsas, menos gente vai fazer pós-graduação e a produção científica no Brasil vai despencar. Para algumas áreas, poderia ser possível conseguir recursos de empresas privadas. É fácil imaginar uma empresa financiando pesquisas sobre agroquímicos e transgênicos – mas e sobre agroecologia?
Isso não afeta apenas quem está na universidade e sim a população como um todo. Vacinas, remédios, produtos de higiene, beleza, limpeza e até comida passam pelo aval dos cientistas. Nem sempre o que é produzido na universidade fica claramente visível para a população e talvez os cientistas tenham uma parcela de culpa nisso. Mas não é porque algo não salta aos olhos que deixa de ser importante!
Ciência demora para ser feita. Décadas podem ser necessárias para achar a solução para um problema – mas, quando a solução é encontrada e incorporada, a vida das pessoas tende a melhorar. Vamos valorizar isso e lutar para que a pesquisa científica sirva aos interesses públicos.
Imagem de capa: Matheus Ribs
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